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Human-centered AI: como criar soluções de Inteligência Artificial com foco nas pessoas

Athena Bastos

Athena Bastos


A Inteligência Artificial está deixando para trás a fase em que o desempenho técnico e a eficiência dos algoritmos eram os únicos protagonistas. Hoje, ganha força uma abordagem que coloca as pessoas no centro de tudo: a Human-Centered AI (HCAI), ou Inteligência Artificial Centrada no Ser Humano.

Esse novo olhar sobre a tecnologia reconhece que os sistemas inteligentes não devem somente operar com eficiência. Eles precisam respeitar valores humanos, promover a transparência, reforçar a autonomia das pessoas e ampliar suas capacidades em vez de substituí-las.

Essa transformação não é por acaso: a crescente preocupação com falhas éticas da IA tradicional, com vieses algorítmicos preconceituosos e violações de privacidade, por exemplo, estão causando alerta no mundo todo, inclusive no cenário empresarial.

Enquanto muitas organizações ainda estão preocupadas em como adotar soluções de IA, outras empresas já se deparam com outra situação: como adotar a abordagem da Inteligência Artificial mais ética, principalmente em setores que lidam diretamente com pessoas?

Para se aprofundar neste assunto, continue a leitura deste artigo e entenda o que é Human-Centered AI, como esse conceito está impactando o mundo da tecnologia e como ter soluções de Inteligência Artificial com foco nas pessoas em sua empresa.

O que é Human-Centered AI?

O termo em inglês “Human-Centered AI” (IAHC), que pode ser traduzido para o português como “Inteligência Artificial Centrada no Ser Humano” (IACSH), é uma abordagem ao design, desenvolvimento e implementação de sistemas de IA que prioriza as necessidades, valores, bem-estar e a experiência geral das pessoas.

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Diferente dos modelos tradicionais de IA, que costumam se concentrar na otimização de métricas de desempenho técnico, como precisão ou velocidade (muitas vezes negligenciando o contexto humano), o objetivo da IACSH não é a automação pela automação, mas sim a aumentação, ou seja, criar sistemas que amplificam e complementam as capacidades humanas em vez de substituí-las.

Trata-se de criar uma parceria onde a IA atua como uma superferramenta para as pessoas, melhorando a criatividade, o pensamento crítico e a tomada de decisão.

Instituições de referência no campo, como o Stanford Institute for Human-Centered AI, definem a IACSH como: um conjunto de práticas de IA inspiradas pela profundidade e diversidade da inteligência humana, com uma preocupação verdadeira pelo seu impacto ético nas pessoas e na sociedade.

Princípios da IA centrada no ser humano

Como descrito no artigo “Human-Centered AI (HCAI)”, da Interaction Design Foundation, as práticas da abordagem Human-Centered IA podem ser unidas em 7 princípios-chave. Confira abaixo quais são.

1. Empatia e compreensão

Compreender os desafios e contextos das pessoas usuárias é fundamental no desenvolvimento de soluções de IACSH. Isso exige que as pessoas desenvolvedoras adotem uma postura empática para enxergar o mundo a partir da perspectiva de quem vai utilizar a tecnologia.

Por exemplo, em ferramentas para o setor de Recursos Humanos que auxiliam em processos de recrutamento e seleção, a aplicação da IA deve ser baseada em experiências e expectativas dos(as) profissionais de RH e das pessoas candidatas.

Isso pode incluir entrevistas, mapeamento de jornadas e análises qualitativas de currículos. Isso garante que o sistema não somente selecione os melhores talentos, mas escolha as pessoas de forma justa, inclusiva e alinhada aos valores humanos.

Leia também: Como e por que implementar ferramentas de inteligência artificial no RH?

2. Considerações éticas e redução de preconceitos

Na IA Centrada no Humano, aspectos éticos como privacidade, transparência, diversidade e justiça não são opcionais, são princípios essenciais.

Para garantir que os sistemas promovam equidade, é necessário um esforço ativo das empresas programadoras de soluções de IA para identificar e corrigir vieses nos algoritmos.

Isso inclui revisar dados de treinamento, adotar práticas inclusivas e monitorar continuamente esses impactos.

Uma citação que ilustra essa perspectiva é a de Seema Yasmin, médica, escritora e comunicadora científica, em um vídeo publicado pelo Stanford HAI:

"O futuro da IA depende das pessoas confiarem e se engajarem com ela. Portanto, as pessoas que desenvolvem sistemas de IA precisam ser negras, precisam ser mulheres, precisam ser não-binárias, transgêneros, pessoas com deficiência, queer. Elas devem representar as pessoas do mundo real que podem interagir com a IA."

3. Envolvimento das pessoas usuárias

Para que a IA seja verdadeiramente útil e acessível, é essencial envolver as pessoas usuárias ao longo de todo o processo de desenvolvimento.

Esse engajamento permite que as soluções sejam moldadas com base em necessidades reais, o que aumenta a usabilidade, a eficácia e a aceitação da tecnologia em diferentes áreas do conhecimento.

Um exemplo claro pode ser visto no desenvolvimento de uma assistente de voz, onde é fundamental incluir pessoas de diferentes faixas etárias (desde as mais velhas à geração-z), gêneros, sotaques e contextos culturais desde a fase de testes.

4. Acessibilidade e inclusão

Segundo um estudo da McKinsey de 2024, 88% das pessoas entrevistadas que utilizam ferramentas de IA não tinham trabalhos técnicos, ou seja, trabalhavam fora do setor de tecnologia.

Isso evidencia o quão importante é que os sistemas de Inteligência Artificial sejam acessíveis e utilizáveis pelo maior número possível de pessoas, independentemente de suas formações.

Leia também: Como a IA pode facilitar o trabalho das pessoas colaboradoras dentro de uma empresa

5. Transparência e segurança

Para que a interação com sistemas de IA seja confiável e eficiente, é fundamental que usuários e usuárias compreendam como as decisões são tomadas.

Quando a tecnologia é transparente e suas ações podem ser verificadas e explicadas de forma clara, as pessoas tendem a confiar mais no sistema e a utilizá-lo com mais segurança e tranquilidade.

6. Feedback e melhoria contínua

É importante ficar claro que a IA Centrada no Humano não é um produto pronto e acabado, mas um processo em contínua evolução.

Desse modo, essa jornada exige ciclos constantes de testes, coleta de feedback e atualizações, que permitem aos sistemas se adaptarem às mudanças e necessidades das pessoas.

Essa evolução pode ser facilmente observada, por exemplo, na trajetória de uma das ferramentas de IA mais conhecidas: o ChatGPT.

O programa, que atualmente está em uma versão avançada e oferece diversas funcionalidades (como geração de imagens e códigos de programação), há apenas dois anos era limitado à geração de textos.

7. Equilíbrio entre automação e controle humano

“Governe as aplicações, não a tecnologia. Automatize tarefas, não empregos.” — essa fala de Andrew Ng, fundador da Landing AI, resume bem o equilíbrio que deve existir no uso da Inteligência Artificial.

Apesar da automação da IA trazer ganhos significativos em eficiência, especialmente nos ambientes de trabalho, é fundamental garantir que as pessoas continuem no centro das decisões.

Como evitar que a automação da IA desumanize a cultura de uma empresa?

Com base nos princípios da Human-Centered AI, vimos que essa abordagem visa justamente a humanização do uso da IA, seja em empresas ou em outras questões do dia a dia.

Quando a IA é implementada com foco exclusivo na eficiência e redução de custos, sem considerar as dinâmicas humanas do ambiente de trabalho, a organização corre o risco de criar ambientes frios, impessoais e distantes da cultura organizacional que fortalece o senso de pertencimento entre as pessoas colaboradoras.

Para que isso não aconteça, manter os aspectos humanos no centro das decisões tecnológicas começa com a escolha de onde e como a IA será utilizada.

Ferramentas de Inteligência Artificial podem, sim, trazer ganhos relevantes em agilidade e produtividade, mas devem complementar as capacidades humanas, não as substituí-las.

Por isso, é essencial envolver lideranças, equipes e até mesmo empresas parceiras e clientes no processo de implementação, ouvindo suas percepções, expectativas e preocupações.

Outro ponto-chave é manter canais de comunicação abertos e transparentes. Explicar como determinada automação foi adotada, quais problemas ela resolve e como ela impacta a rotina das pessoas é uma forma de gerar confiança e engajamento.

Além disso, preservar espaços para a escuta ativa, a troca de ideias e a colaboração entre pessoas reforça os pilares humanos da cultura organizacional.

Leia também: Como melhorar a comunicação entre as pessoas do seu time

Empresas que adotam a abordagem IAHC

A abordagem Human-Centered AI pode ser observada na prática por meio de diversas situações. Destacamos dois casos relevantes a seguir.

Colgate-Palmolive

A Colgate-Palmolive enfrentava um desafio típico de grandes corporações: sua equipe de pesquisa de mercado lidava com grandes volumes de dados e relatórios complexos, o que dificultava a extração rápida de insights relevantes para decisões estratégicas e inovação.

Para transformar esse cenário, a empresa adotou uma abordagem centrada nas pessoas e implementou um sistema de IA Generativa com interface conversacional.

Com essa solução, as pessoas profissionais podem consultar grandes conjuntos de dados simplesmente fazendo perguntas ao programa, como se estivessem conversando com um analista virtual.

Isso elimina a necessidade de navegar manualmente por dezenas de documentos ou planilhas, tornando o trabalho mais ágil, acessível e eficiente.

Como resultado, a empresa relatou um aumento significativo na qualidade e criatividade do trabalho desenvolvido, demonstrando como uma abordagem estruturada, humana e responsável pode potencializar o uso da IA dentro das organizações.

Vyrb

Já a empresa Vyrb partiu de um ponto de dor real: muitas pessoas desejam usar redes sociais enquanto realizam outras tarefas, como cozinhar ou caminhar, mas o uso tradicional, via toque e tela, limita essa experiência.

A resposta da empresa foi criar um assistente de voz baseado em IA, permitindo que as pessoas usuárias naveguem, postem e interajam em redes sociais sem o uso das mãos. Isso não somente trouxe conveniência, mas também aumentou a acessibilidade para pessoas com limitações motoras ou que estão em contextos de multitarefa.

A solução, simples e centrada no ser humano, teve grande aceitação: mais de 50 mil downloads e US$ 1 milhão em financiamento.

O sucesso mostra como a IA, quando pensada a partir das reais necessidades humanas, pode resolver problemas cotidianos e gerar alto valor.

Leia também: 10 ferramentas de IA para aumentar a produtividade da sua empresa

Afinal, como criar soluções de Inteligência Artificial com foco nas pessoas?

A adoção da Inteligência Artificial nas empresas está crescendo rapidamente, impulsionada por investimentos massivos. Em 2024, 78% das organizações já utilizavam IA em alguma função, segundo o Relatório AI Index 2025, do Stanford HAI.

Entretanto, esse avanço acelerado nem sempre vem acompanhado de estruturas sólidas de governança, o que representa riscos éticos e estratégicos para as organizações.

Por este motivo, para criar uma solução de IA Centrada no Ser Humano em sua empresa, confira alguns passos que listamos abaixo.

1. Mapear os impactos da tecnologia nas pessoas

Antes de implementar qualquer ferramenta de IA, é essencial entender quem serão as pessoas impactadas por ela, isso inclui colaboradores(as), clientes, parceiros(as) e demais públicos envolvidos.

Essa etapa é importante para avaliar os impactos diretos e indiretos, antecipar riscos, ajustar estratégias e garantir que a tecnologia será uma aliada.

Por exemplo, ao adotar um sistema de recrutamento inteligente, é preciso garantir que ele não gere exclusões injustas ou reforce estereótipos preconceituosos.

2. Criar equipes multidisciplinares

A IA não deve ser desenvolvida somente por especialistas em IA, como uma liderança Chief AI Officer (CAIO). Times diversos, com profissionais de áreas como ética, direito, psicologia, UX e diversidade, ajudam a identificar vieses, analisar riscos sociais e desenvolver soluções mais completas e alinhadas à realidade humana.

Leia também: Os 10 maiores riscos da inteligência artificial

3. Promover transparência

Como falamos no tópico sobre os princípios da IACSH, os sistemas de IA precisam ser compreensíveis para quem interage com eles.

Dentro de uma empresa, isso significa explicar de forma clara como os algoritmos tomam decisões, quais dados são utilizados e quais critérios influenciam os resultados.

Por exemplo, se uma ferramenta de IA é usada para classificar currículos ou sugerir ações de Marketing, as pessoas profissionais que utilizam essas soluções devem entender “como” e “por que” certas escolhas foram feitas.

Isso não somente promove a confiança na tecnologia, mas também permite uma supervisão e validação mais consciente.

4. Coletar feedback continuamente

Uma vez em funcionamento, o sistema de IA precisa ser monitorado de forma constante. Coletar feedback de usuários e usuárias, revisar indicadores e promover ajustes com base em novos dados são práticas fundamentais para a tecnologia continuar relevante e segura para o seu negócio.

5. Assegurar o controle humano

Por mais avançado que um sistema de IA seja, sempre deve existir a possibilidade de intervenção humana, especialmente em decisões críticas.

Isso porque manter as pessoas no comando garante responsabilidade, segurança e adaptabilidade em situações complexas ou imprevistas.

No entanto, para que esse entendimento se torne realidade, as empresas precisam ir além da simples adoção da tecnologia.

É necessário investir na formação das pessoas que vão lidar com esses sistemas, desde lideranças estratégicas até pessoas colaboradoras operacionais.

É justamente nesse ponto que iniciativas de capacitação ganham importância. Oferecer treinamentos adequados é uma forma de garantir que a cultura digital se consolide dentro da empresa e que a inovação seja sustentada por pessoas preparadas.

Para isso, é possível contar com a Alura + FIAP Para Empresas, que oferece soluções que ajudam no aprofundamento dos conceitos e no aprendizado dos times.

São cursos, imersões executivas e programas personalizados, que vão ao encontro das principais necessidades e gaps no que diz respeito à IA e demais tecnologias emergentes.

Entre em contato com a nossa equipe e saiba como contar com essa parceria estratégica na sua empresa!

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Athena Bastos
Athena Bastos

Coordenadora de Comunicação da Alura + FIAP Para Empresas. Bacharela e Mestra em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Pós-graduanda em Digital Data Marketing pela FIAP. Escreve para blogs desde 2008 e atua com marketing digital desde 2018.