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Orientação a Objetos Básica

"Programação orientada a objetos é uma péssima ideia que só poderia ter nascido na Califórnia." -- Edsger Dijkstra

Ao término deste capítulo, você será capaz de:

Motivação: problemas do paradigma procedural

Orientação a objetos é uma maneira de programar que ajuda na organização e resolve muitos problemas enfrentados pela programação procedural.

Consideremos o clássico problema da validação de um CPF. Normalmente, temos um formulário no qual recebemos essa informação e depois temos de enviar esses caracteres a uma função que vai validá-lo, como no pseudocódigo abaixo:

cpf = formulario->campo_cpf
valida(cpf)

Alguém o obriga a sempre validar esse CPF? Você pode, inúmeras vezes, esquecer de chamar esse validador. Mas: considere que você tem 50 formulários e precise validar em todos o CPF. Se sua equipe tem três programadores trabalhando nesses formulários, quem fica responsável por essa validação? Todos!

A situação pode piorar: na entrada de um novo desenvolvedor, precisaríamos avisá-lo de que sempre devemos validar o CPF de um formulário. É nesse momento que nascem aqueles guias de programação para o desenvolvedor que for entrar nesse projeto - às vezes, é um documento enorme. Em outras palavras, todo desenvolvedor precisa saber de uma quantidade enorme de informações que, na maioria das vezes, não está realmente relacionada à sua parte no sistema, mas ele precisa ler tudo isso, resultando em um entrave muito grande!

Outra situação na qual ficam claros os problemas da programação procedural é quando nos encontramos na necessidade de ler o código que foi escrito por outro desenvolvedor e descobrir como ele funciona internamente. Um sistema bem encapsulado não deveria gerar essa necessidade. Em um sistema grande, simplesmente não temos tempo de ler todo o código existente.

Considerando que você não erre nesse ponto e a sua equipe tenha uma comunicação muito boa (perceba que comunicação excessiva pode ser prejudicial e atrapalhar o andamento), ainda temos outro problema: imagine que, em todo formulário, você também queira que a idade do cliente seja validada - o cliente precisa ter mais de 18 anos. Teríamos de colocar um if... Mas onde? Espalhado por todo seu código e, mesmo que se crie outra função para validar, precisaríamos incluir isso nos nossos 50 formulários já existentes. Qual é a chance de esquecermos um deles? É muito grande.

A responsabilidade de verificar se o cliente tem ou não 18 anos ficou espalhada por todo o seu código. Seria interessante poder concentrar essa responsabilidade em um lugar só para não ter chances de se esquecer disso.

Melhor ainda seria se conseguíssemos mudar essa validação e os outros programadores nem precisassem ficar sabendo disso. Em outras palavras, eles criariam formulários, e um único programador seria responsável pela validação: os outros nem saberiam da existência desse trecho de código. Impossível? Não, o paradigma da orientação a objetos facilita tudo isso.

O problema do paradigma procedural é que não existe uma forma simples de criar conexão forte entre dados e funcionalidades. No paradigma orientado a objetos, é muito fácil ter essa conexão por meio dos recursos da própria linguagem.

Quais as vantagens?

Orientação a objetos irá ajudá-lo bastante a se organizar e escrever menos, além de concentrar as responsabilidades nos pontos certos, flexibilizando sua aplicação e encapsulando na lógica de negócios.

Outra enorme vantagem, na qual você realmente economizará montanhas de código, é o polimorfismo das referências, que veremos em um capítulo posterior.

Nos próximos capítulos, conseguiremos enxergar toda essa vantagem. Mas, primeiramente, é necessário conhecer um pouco mais da sintaxe e criação de tipos e referências em Java.

Criando um tipo

Considere um programa para um banco. É bem fácil perceber que uma entidade extremamente importante ao nosso sistema é a conta. Nossa ideia aqui é generalizarmos alguma informação juntamente com as funcionalidades que toda conta deve ter.

O que toda conta tem que é importante para nós?

O que toda conta faz que é importante para nós? Isto é, o que gostaríamos de "pedir à conta"?

Com isso, temos o projeto de uma conta bancária. Podemos pegar esse projeto e acessar seu saldo? Não. O que temos ainda é o projeto. Antes, precisamos construir uma conta para poder acessar o que ela tem e pedir a ela que faça algo.

 {w=70%}

Repare na figura. Apesar de o papel do lado esquerdo especificar uma Conta, essa especificação é uma Conta? Nós depositamos e sacamos dinheiro desse papel? Não. Utilizamos a especificação da Conta para poder criar instâncias que realmente são contas, nas quais podemos realizar as operações que criamos.

Apesar de declararmos que toda conta tem um saldo, um número e uma agência no pedaço de papel (como, à esquerda, na figura), são nas instâncias desse projeto em que realmente há espaço para armazenar esses valores.

Ao projeto da conta, isto é, à definição da conta, damos o nome de classe. Ao que podemos construir a partir desse projeto; às contas de verdade, damos o nome de objetos.

A palavra classe vem da taxonomia da biologia. Todos os seres vivos de uma mesma classe biológica têm uma série de atributos e comportamentos em comum, mas não são iguais, pois podem variar nos valores desses atributos e como realizam esses comportamentos.

Homo Sapiens define um grupo de seres que possuem características em comum. Porém, a definição (a ideia, o conceito) de um Homo Sapiens é um ser humano? Não. Tudo está especificado na classe Homo Sapiens, mas se quisermos mandar alguém correr, comer e pular, precisaremos de uma instância de Homo Sapiens, ou então de um objeto do tipo Homo Sapiens.

Um outro exemplo: uma receita de bolo. A pergunta é certeira: você come uma receita de bolo? Não. Precisamos instanciá-la e fazer um objeto bolo a partir dessa especificação (a classe) para utilizá-la. Podemos criar centenas de bolos com base nessa classe (a receita, no caso). Eles podem ser bem semelhantes, alguns até idênticos, mas são objetos diferentes.

Podemos fazer milhares de analogias parecidas. A planta de uma casa é uma casa? Definitivamente, não. Não podemos morar dentro da planta de uma casa nem podemos abrir sua porta ou pintar suas paredes. Precisamos, antes, construir instâncias a partir dessa planta. Essas instâncias, sim, podemos pintar, decorar ou morar dentro.

Pode parecer óbvio, mas a dificuldade inicial do paradigma da orientação a objetos é justamente saber distinguir classe de objeto. É comum o iniciante utilizar, obviamente de forma errada, essas duas palavras como sinônimos.

Uma classe em Java

Começaremos apenas com o que uma Conta tem, e não com o que ela faz (veremos isso logo em seguida).

Um tipo desses, como o especificado de Conta acima, pode ser facilmente traduzido para Java:

    class Conta {
        int numero;
        String titular;
        double saldo;

        // ..
    }

String

String é uma classe em Java. Ela guarda uma cadeia de caracteres, uma frase completa. Como estamos ainda aprendendo o que é uma classe, entenderemos, com detalhes, a classe String apenas em capítulos posteriores.

Por enquanto, declaramos o que toda conta deve ter. Esses são os atributos que as contas quando criadas terão. Repare que essas variáveis foram declaradas fora de um bloco, diferente do que fazíamos quando tinha aquele main. Quando uma variável é declarada diretamente dentro do escopo da classe, é chamada de variável de objeto ou atributo.

Criando e usando um objeto

Já temos uma classe em Java que especifica o que todo objeto dessa classe deve ter. Mas como usá-la? Além dessa classe, ainda teremos o Programa.java e, a partir dele, utilizaremos a classe Conta.

Para criar (construir, instanciar) uma Conta, basta usar a palavra-chave new. Devemos utilizar também os parênteses, que descobriremos o que fazem exatamente no próximo capítulo:

    class Programa {
        public static void main(String[] args) {
            new Conta();    
        }
    }

Bem, o código acima cria um objeto do tipo Conta. Mas como acessar esse objeto que foi criado? Precisamos ter alguma forma de nos referenciarmos a esse objeto. Precisamos de uma variável:

    class Programa {
        public static void main(String[] args) {
            Conta minhaConta;
            minhaConta = new Conta();
        }
    }

Pode parecer estranho escrevermos duas vezes Conta: uma vez na declaração da variável e, outra vez, no uso do new. Mas há um motivo que, em breve, entenderemos.

Por meio da variável minhaConta, podemos acessar o objeto recém criado para alterar seu titular, seu saldo, etc.:

    class Programa {
        public static void main(String[] args) {
            Conta minhaConta;
            minhaConta = new Conta();

            minhaConta.titular = "Duke";
            minhaConta.saldo = 1000.0;

            System.out.println("Saldo atual: " + minhaConta.saldo);
        }
    }

É importante fixar que o ponto foi utilizado para acessar algo em minhaConta. A minhaConta pertence ao Duke e tem saldo de mil reais.

Métodos

Dentro da classe, também declararemos o que cada conta faz e como isso é feito - os comportamentos que cada classe tem. Por exemplo, de que maneira uma Conta saca dinheiro? Especificaremos isso dentro da própria classe Conta, e não em um local desatrelado das informações da própria Conta. É, por isso, que essas funções são chamadas de métodos, pois é a maneira de fazer uma operação com um objeto.

Queremos criar um método que saca uma determinada quantidade e não devolve nenhuma informação para quem acionar esse método:

class Conta {
    double salario;
    // ... outros atributos ...

    void saca(double quantidade) {
        double novoSaldo = this.saldo - quantidade; 
        this.saldo = novoSaldo;
    }
}

A palavra-chave void diz que quando você pedir para a conta sacar uma quantia, nenhuma informação será enviada de volta a quem pediu.

Quando alguém pedir para sacar, ela também dirá quanto quer sacar. Por isso, precisamos declarar o método com algo dentro dos parênteses - o que vai aí dentro é chamado de argumento do método (ou parâmetro). Essa variável é uma variável comum, chamada também de temporária ou local, pois, ao final da execução desse método, ela deixa de existir.

Dentro do método, estamos declarando uma nova variável. Essa variável, assim como o argumento, irá morrer no fim do método, porque esse é seu escopo. No momento em que vamos acessar nosso atributo, usamos a palavra-chave this para mostrar que esse é um atributo, e não uma simples variável (veremos depois que é opcional).

Repare que, nesse caso, a conta poderia estourar um limite fixado pelo banco. Mais para frente, evitaremos essa situação de uma maneira muito elegante.

Da mesma forma, temos o método para depositar alguma quantia:

class Conta {
    // ... outros atributos e métodos ...

    void deposita(double quantidade) {
        this.saldo += quantidade;
    }
}

Observe que não usamos uma variável auxiliar e, além disso, usamos a abreviação += para deixar o método bem simples. O += soma quantidade ao valor antigo do saldo e guarda o valor resultante no próprio saldo.

Para mandar uma mensagem ao objeto e pedir que ele execute um método, também usamos o ponto. O termo usado para isso é invocação de método.

O código a seguir saca dinheiro e depois deposita outra quantia na nossa conta:

class TestaAlgunsMetodos {
    public static void main(String[] args) {
        // criando a conta
        Conta minhaConta;
        minhaConta = new Conta();

        // alterando os valores de minhaConta
        minhaConta.titular = "Duke";
        minhaConta.saldo = 1000;

        // saca 200 reais
        minhaConta.saca(200);

        // deposita 500 reais
        minhaConta.deposita(500);
        System.out.println(minhaConta.saldo);
    }
}

Uma vez que seu saldo inicial é de 1.000 reais, se sacarmos 200 reais, depositarmos 500 reais e imprimirmos o valor do saldo, o que será impresso?

Métodos com retorno

Um método sempre tem de estabelecer o que retorna, mesmo definindo que não há retorno, como nos exemplos anteriores nos quais estávamos usando o void.

Um método pode retornar um valor para o código que o chamou. No caso do nosso método saca, podemos devolver um valor booleano indicando que a operação foi bem-sucedida.

class Conta {
    // ... outros métodos e atributos...

    boolean saca(double valor) {
        if (this.saldo < valor) {
            return false;
        }
        else {
            this.saldo = this.saldo - valor;
            return true;
        }
    }
}

A declaração do método mudou! O método saca não tem void na frente. Isso quer dizer que quando é acessado, ele devolve algum tipo de informação – no caso, um boolean. A palavra-chave return indica que o método terminará ali, retornando tal informação.

 {w=40%}

Exemplo de uso:

    minhaConta.saldo = 1000;
    boolean consegui = minhaConta.saca(2000);
    if (consegui) {
        System.out.println("Consegui sacar");
    } else {
        System.out.println("Não consegui sacar");
    }

Ou então, posso eliminar a variável temporária, se desejado:

    minhaConta.saldo = 1000;
    if (minhaConta.saca(2000)) {
        System.out.println("Consegui sacar");
    } else {
        System.out.println("Não consegui sacar");
    }

Mais adiante, veremos que, algumas vezes, é mais interessante lançar uma exceção (exception) nesses casos.

Meu programa pode manter na memória uma ou mais de uma conta:

class TestaDuasContas {
    public static void main(String[] args) {

        Conta minhaConta;
        minhaConta = new Conta();
        minhaConta.saldo = 1000;

        Conta meuSonho;
        meuSonho = new Conta();
        meuSonho.saldo = 1500000;
    }
}

Objetos são acessados por referências

Quando declaramos uma variável para associar a um objeto, na verdade, essa variável não guarda o objet, mas, sim, uma maneira de acessá-lo, chamada de referência.

É por esse motivo que, diferente dos tipos primitivos como int e long, precisamos dar new depois de declarada a variável:

    public static void main(String[] args) {
        Conta c1;
        c1 = new Conta();

        Conta c2;
        c2 = new Conta();
    }

O correto aqui é dizer que c1 se refere a um objeto. Não é certo dizer que c1 é um objeto, pois c1 é uma variável referência apesar de, depois de um tempo, os programadores Java falarem: "tenho um objeto c do tipo Conta" como um modo para encurtar a frase: "tenho uma referência c a um objeto do tipo Conta".

Basta lembrar que, em Java, uma variável nunca é um objeto. Não há, no Java, uma maneira de criarmos o que é conhecido como objeto pilha ou objeto local, pois todo objeto, nessa linguagem, sem exceção, é acessado por uma variável referência.

Esse código nos deixa na seguinte situação:

    Conta c1;
    c1 = new Conta();

    Conta c2;
    c2 = new Conta();
 {w=30%}

Internamente, c1 e c2 vão guardar um número que identifica em que posição da memória aquela Conta se encontra. Dessa maneira, ao utilizarmos o "." para navegar, o Java acessará a Conta que se encontra naquela posição de memória, e não uma outra.

Para quem conhece, é parecido com um ponteiro. Porém, você não pode manipulá-lo como um número nem utilizá-lo para aritmética, pois ela é tipada.

Um outro exemplo:

    class TestaReferencias {
        public static void main(String[] args) {
            Conta c1 = new Conta();
            c1.deposita(100);

            Conta c2 = c1;  // linha importante!
            c2.deposita(200);

            System.out.println(c1.saldo);
            System.out.println(c2.saldo);
        }
    }

Qual é o resultado do código acima? O que aparece ao rodar?

O que acontece aqui? O operador = copia o valor de uma variável. Mas qual é o valor da variável c1? É o objeto? Não. Na verdade, o valor guardado é a referência (endereço) ao local onde o objeto se encontra na memória principal.

Na memória, o que acontece nesse caso:

        Conta c1 = new Conta();
        Conta c2 = c1;
 {w=30%}

Quando fizemos c2 = c1, c2 passa, nesse instante, a fazer referência ao mesmo objeto referenciado por c1.

Então, nesse código em específico, quando utilizamos c1 ou c2, estamos nos referindo exatamente ao mesmo objeto! Elas são duas referências distintas, porém apontam para o mesmo objeto. Compará-las com "==" irá nos retornar true, pois o valor que elas carregam é o mesmo!

Outra forma de perceber isso é que demos apenas um new, logo só pode haver um objeto Conta na memória.

Atenção: não estamos discutindo aqui a utilidade de fazer uma referência apontar para o mesmo objeto que outra. Essa utilidade ficará mais evidente quando passarmos variáveis do tipo referência como argumento a métodos.

new

O que exatamente faz o new?

O new executa uma série de tarefas que veremos mais adiante.

Mas, a fim de melhor entender as referências no Java, imagine que o new, depois de alocar a memória para esse objeto, devolve uma flecha, isto é, um valor de referência. Quando você atribui isso a uma variável, essa variável passa a se referir a esse mesmo objeto.

Podemos, então, ver outra situação:

    public static void main(String[] args) {
        Conta c1 = new Conta();
        c1.titular = "Duke";
        c1.saldo = 227;

        Conta c2 = new Conta();
        c2.titular = "Duke";
        c2.saldo = 227;

        if (c1 == c2) {
            System.out.println("Contas iguais");
        }
    }

O operador == compara o conteúdo das variáveis, mas essas variáveis não guardam o objeto, e sim o endereço em que ele se encontra. Como em cada uma dessas variáveis guardamos duas contas criadas diferentemente, elas estão em espaços distintos da memória, o que faz o teste if valer false. As contas podem ser equivalentes no nosso critério de igualdade, porém elas não são o mesmo objeto. Quando se trata de objetos, pode ficar mais fácil pensar que o == compara se os objetos (referências, na verdade) são o mesmo, e não se são iguais.  {w=40%}

Para saber se dois objetos têm o mesmo conteúdo, você precisa comparar atributo por atributo. Veremos uma solução mais elegante para isso também.

O método transfere()

E se quisermos ter um método que transfere dinheiro entre duas contas? Podemos ficar tentados a criar um método o qual recebe dois parâmetros: conta1 e conta2 do tipo Conta. Mas cuidado: assim estamos pensando de maneira procedural.

A ideia é que, quando chamarmos o método transfere, já teremos um objeto do tipo Conta (o this). Portanto, o método recebe apenas um parâmetro do tipo Conta, isto é, a Conta destino (além do valor):

    class Conta {

        // atributos e métodos...

        void transfere(Conta destino, double valor) {
            this.saldo = this.saldo - valor;
            destino.saldo = destino.saldo + valor;
        }
    }
 {w=50%}

Para deixar o código mais robusto, poderíamos verificar se a conta tem a quantidade a ser transferida disponível. Com o intuito de ficar ainda mais interessante, você pode chamar os métodos deposita e saca já existentes para fazer essa tarefa:

    class Conta {

        // atributos e métodos...

        boolean transfere(Conta destino, double valor) {
            boolean retirou = this.saca(valor);
            if (retirou == false) {
                // não deu pra sacar!
                return false;
            }
            else {
                destino.deposita(valor);
                return true;
            }
        }
    }
 {w=55%}

Quando passamos uma Conta como argumento, o que será que acontece na memória? Será que o objeto é clonado?

No Java, a passagem de parâmetro funciona como uma simples atribuição tal qual no uso do "=". Então, esse parâmetro copiará o valor da variável do tipo Conta que for passado como argumento. E qual é o valor de uma variável dessas? Seu valor é um endereço ou uma referência, mas nunca um objeto. Por isso, não há cópia de objetos aqui.

Esse último código poderia ser escrito com uma sintaxe muito mais sucinta. Como?

Transfere para

Perceba que o nome deste método poderia ser transferePara ao invés de só transfere. A chamada do método fica muito mais natural. É possível ler a frase em português, pois ela tem um sentido:

conta1.transferePara(conta2, 50);

A leitura desse código seria: Conta1 transfere para conta2 50 reais.

Continuando com atributos

As variáveis do tipo atributo, diferentemente das variáveis temporárias (declaradas dentro de um método), recebem um valor padrão. No caso numérico, valem 0e , no caso de boolean, valem false.

Você também pode dar valores default, como segue:

    class Conta {
        int numero = 1234;
        String titular = "Duke";
        double saldo = 1000.0;
    }

Nesse caso, quando você criar uma conta, seus atributos já estarão "populados" com esses valores colocados.

Imagine que iniciamos a aumentar nossa classe Conta e adicionamos nome, sobrenome e CPF do titular da conta. Começaríamos a ter muitos atributos. E se você pensar direito, uma Conta não tem nome, nem sobrenome, nem CPF. Quem tem esses atributos é um Cliente. Desse modo, podemos criar uma nova classe e fazer uma composição.

Seus atributos também podem ser referências às outras classes. Suponha a seguinte classe Cliente:

    class Cliente {
        String nome;
        String sobrenome;
        String cpf;
    }
    class Conta {
        int numero;
        double saldo;
        Cliente titular;
        // ..
    }

E dentro do main da classe de teste:

    class Teste {
        public static void main(String[] args) {
            Conta minhaConta = new Conta();
            Cliente c = new Cliente();
            minhaConta.titular = c;
            // ...
        }
    }

Aqui, simplesmente houve uma atribuição. O valor da variável c é copiado para o atributo titular do objeto ao qual minhaConta se refere. Em outras palavras, minhaConta tem uma referência ao mesmo Cliente a que c se refere, e este pode ser acessado por meio de minhaConta.titular.

Você pode realmente navegar sobre toda essa estrutura de informação sempre usando o ponto:

    Cliente clienteDaMinhaConta = minhaConta.titular;
    clienteDaMinhaConta.nome = "Duke";

Ou ainda pode fazer isso de uma forma mais direta e até mais elegante:

    minhaConta.titular.nome = "Duke";

Um sistema orientado a objetos é um grande conjunto de classes que se comunicará delegando responsabilidades a quem for mais apto a realizar determinada tarefa. A classe Banco usa a classe Conta; esta usa a classe Cliente que, por sua vez, usa a classe Endereco. Dizemos que esses objetos colaboram, trocando mensagens entre si. Por isso, temos muitas classes em nosso sistema, e elas costumam ter um tamanho relativamente curto.

Mas e se dentro do meu código eu não desse new em Cliente e tentasse acessá-lo diretamente?

    class Teste {
        public static void main(String[] args) {
            Conta minhaConta = new Conta();

            minhaConta.titular.nome = "Manoel";
            // ...
        }
    }

Quando damos new em um objeto, ele o inicializa com seus valores default: 0 para números, false para boolean e null para referências. null é uma palavra-chave em Java que indica uma referência a nenhum objeto.

 {w=40%}

Se, em algum caso, você tentar acessar um atributo ou método de alguém que está se referenciando a null, receberá um erro durante a execução (NullPointerException, que veremos mais à frente). Percebe-se, então, que o new não apresenta um efeito cascata, a menos que você dê um valor default (ou use construtores, que também veremos mais à frente):

    class Conta {
        int numero;
        double saldo;
        Cliente titular = new Cliente();    // quando chamarem new Conta, 
                                            //haverá um new Cliente para ele.
    }

Com esse código, toda nova Conta criada já terá um novo Cliente associado sem necessidade de instanciá-lo logo em seguida da instanciação de uma Conta. Qual alternativa você deve usar? Depende do caso: para toda nova Conta, você precisa de um novo Cliente? É essa pergunta a ser respondida. Nesse caso, a resposta é não, mas depende do nosso problema.

Atenção: para quem não está acostumado com referências, pode ser bastante confuso pensar sempre em como os objetos estão na memória para poder tirar as conclusões de o que ocorrerá ao executar determinado código, por mais simples que ele seja. Com tempo, você adquire a habilidade de rapidamente saber o efeito de atrelar as referências sem ter de gastar muito tempo com isso. É importante, nesse começo, você estar sempre pensando no estado da memória. E realmente lembrar-se de que no Java, "uma variável nunca carrega um objeto, e sim uma referência a ele", pois isso facilita muito.

Para saber mais: uma fábrica de carros

Além do Banco que estamos criando, veremos como ficariam certas classes relacionadas a uma fábrica de carros. Criaremos uma classe Carro com certos atributos que descrevem suas características e com certos métodos os quais descrevem seu comportamento.

    class Carro {
        String cor;
        String modelo;
        double velocidadeAtual;
        double velocidadeMaxima;

        //liga o carro
        void liga() {
            System.out.println("O carro está ligado");
        }

        //acelera uma certa quantidade
        void acelera(double quantidade) {
            double velocidadeNova = this.velocidadeAtual + quantidade; 
            this.velocidadeAtual = velocidadeNova;
        }

        //devolve a marcha do carro
        int pegaMarcha() {
            if (this.velocidadeAtual < 0) {
                return -1;
            }
            if (this.velocidadeAtual >= 0 && this.velocidadeAtual < 40) {
                return 1;
            }
            if (this.velocidadeAtual >= 40 && this.velocidadeAtual < 80) {
                return 2;
            }
            return 3;
        }
    }

Testemos nosso Carro em um novo programa:

    class TestaCarro {
        public static void main(String[] args) {
            Carro meuCarro;
            meuCarro = new Carro();
            meuCarro.cor = "Verde";
            meuCarro.modelo = "Fusca";
            meuCarro.velocidadeAtual = 0;
            meuCarro.velocidadeMaxima = 80;

            // liga o carro
            meuCarro.liga();

            // acelera o carro
            meuCarro.acelera(20);
            System.out.println(meuCarro.velocidadeAtual);
        }
    }

Nosso carro pode conter também um Motor:

    class Motor {
        int potencia;
        String tipo;
    }
    class Carro {
        String cor;
        String modelo;
        double velocidadeAtual;
        double velocidadeMaxima;
        Motor motor;

        // ..
    }

Podemos criar diversos carros e mexer com seus atributos e métodos, assim como fizemos no exemplo do Banco.

Um pouco mais...

Exercícios: Orientação a Objetos

O modelo da conta a seguir será utilizado para os exercícios dos próximos capítulos.

O objetivo aqui é criar um sistema com o objetivo de gerenciar as contas de um Banco. Os exercícios desse capítulo são extremamente importantes.

  1. Modele uma conta. A ideia aqui é apenas modelar, isto é, identificar quais informações são importantes. Desenhe no papel tudo o que uma Conta tem e tudo o que ela faz. Ela deve ter o nome do titular (String), o número (int), a agência (String), o saldo (double) e uma data de abertura (String). Além disso, a conta deve fazer as seguintes ações: sacar para retirar um valor do saldo; depositar a fim de adicionar um valor ao saldo; calculaRendimento para devolver o seu ganho mensal.

  2. Transforme o modelo acima em uma classe Java. Teste-a usando uma outra classe que tenha o main. Você deve criar a classe da conta com o nome Conta, mas pode nomear como quiser a classe de testes, por exemplo, pode chamá-la TestaConta. Contudo, ela deve necessariamente ter o método main.

    A classe Conta deve conter, além dos atributos mencionados anteriormente, pelo menos os seguintes métodos:

    • saca que recebe um valor como parâmetro e o retira do saldo da conta;
    • deposita que recebe um valor como parâmetro e o adiciona ao saldo da conta;
    • calculaRendimento que não recebe parâmetro algum e devolve o valor do saldo multiplicado por 0.1.

    Lembre-se de seguir a convenção Java, isso é importantíssimo. Preste atenção nas maiúsculas e minúsculas, seguindo o seguinte exemplo: nomeDeAtributo, nomeDeMetodo, nomeDeVariavel, NomeDeClasse, etc.

    Todas as classes no mesmo arquivo?

    Você até pode colocar todas as classes no mesmo arquivo e apenas compilá-lo. Ele vai gerar um .class para cada classe presente nele.

    Porém, por uma questão de organização, uma boa prática é criar um arquivo .java para cada classe. Em capítulos posteriores, veremos também determinados casos nos quais você será obrigado a declarar cada classe em um arquivo separado.

    Essa separação não é importante nesse momento do aprendizado, mas se quiser ir praticando-a sem ter que juntar classe por classe, você pode dizer para o javac compilar todos os arquivos em Java de uma vez:

    javac *.java

  3. Na classe Conta, crie um método recuperaDadosParaImpressao() que não recebe parâmetro, mas devolve o texto com todas as informações da nossa conta para efetuarmos a impressão.

    Dessa maneira, você não precisa ficar copiando e colando um monte de System.out.println() para cada mudança e teste que fizer com cada um de seus funcionários, você simplesmente fará:

        Conta c1 = new Conta();
        // brincadeiras com c1....
        System.out.println(c1.recuperaDadosParaImpressao());

    Veremos, mais à frente, o método toString, que é uma solução muito mais elegante para mostrar a representação de um objeto como String, além de não jogar tudo para o System.out (só se você o desejar).

  4. Na classe de teste dentro do bloco main, construa duas contas com o new e compare-as com o ==. E se eles tiverem os mesmos atributos? Para isso, você precisará criar outra referência:

        Conta c1 = new Conta();     
        c1.titular = "Danilo";
        c1.saldo = 100;
    
        Conta c2 = new Conta();     
        c2.titular = "Danilo";
        c2.saldo = 100;
    
        if (c1 == c2) {
            System.out.println("iguais");
        } else {
            System.out.println("diferentes");       
        }
  5. Agora, crie duas referências para a mesma conta e compare-as com o ==. Tire suas conclusões. A fim de criar duas referências para a mesma conta:

        Conta c1 = new Conta():
        c1.titular = "Hugo";
        c1.saldo = 100;
    
        c2 = c1;

    O que acontece com o if do exercício anterior?

  6. (Opcional) Em vez de utilizar uma String para representar a data, crie uma outra classe chamada Data. Ela tem três campos int para dia, mês e ano. Faça com que sua conta passe a usá-la (é parecido com o último exemplo da explicação, em que a Conta passou a ter referência a um Cliente).

        class Conta {
            Data dataDeAbertura; // qual é o valor default aqui?
            // seus outros atributos e métodos
        }
    
        class Data {
            int dia;
            int mes;
            int ano;
        }

    Modifique sua classe TestaConta para que você crie uma Data e a atribua à Conta:

        Conta c1 = new Conta();
        //...
        Data data = new Data(); // ligação!
        c1.dataDeAbertura = data;

    Faça o desenho do estado da memória quando criarmos um Conta.

  7. (Opcional) Modifique seu método recuperaDadosParaImpressao para que ele devolva o valor da dataDeAbertura daquela Conta:

    class Conta {
    
        // seus outros atributos e métodos
        Data dataDeAbertura;
    
        String recuperaDadosParaImpressao() {
            String dados = "\nTitular: " + this.titular;
            // imprimir aqui os outros atributos...
    
            dados += "\nDia: " + this.dataDeAbertura.dia;
            dados += "\nMês: " + this.dataDeAbertura.mes;
            dados += "\nAno: " + this.dataDeAbertura.ano;
            return dados;
        }
    }

    Teste-o. O que acontece se chamarmos o método recuperaDadosParaImpressao antes de atribuirmos uma data a essa Conta?

  8. (Opcional) O que acontece se você tentar acessar um atributo diretamente na classe? Por exemplo:

        Conta.saldo = 1234;

    Esse código faz sentido? E este:

        Conta.calculaRendimento();

    Faz sentido perguntar ao esquema da Conta seu valor anual?

  9. (Opcional e avançado) Crie um método na classe Data que devolva o valor formatado da data, isto é, devolva uma String com "dia/mês/ano". Tudo isso para que o método recuperaDadosParaImpressao da classe Conta possa ficar assim:

    class Conta {
        // atributos e metodos
    
        String recuperaDadosParaImpressao() {
            // imprime outros atributos...
            dados += "\nData de abertura: " + this.dataDeAbertura.formatada();
            return dados;
        }
    }

Desafios

  1. Um método pode se chamar a si mesmo. Chamamos isso de recursão. Você pode resolver a série de Fibonacci usando um método que se chama a si mesmo. O objetivo é você criar uma classe que possa ser usada da seguinte maneira:

        Fibonacci fibonacci = new Fibonacci();
        for (int i = 1; i <= 6; i++) {
            int resultado = fibonacci.calculaFibonacci(i);
            System.out.println(resultado);
        }

    Aqui imprimirá a sequência de Fibonacci até a sexta posição, isto é: 1, 1, 2, 3, 5, 8.

    Esse método calculaFibonacci não pode ter nenhum laço e só pode chamar-se a si mesmo sendo método. Pense nele como uma função que usa a si própria para calcular o resultado.

  2. Por que o modo acima é extremamente mais lento para calcular a série do que o modo iterativo (que se usa um laço)?

  3. Escreva o método recursivo novamente usando apenas uma linha. Para isso, pesquise sobre o operador condicional ternário (ternary operator).

Fixando o conhecimento

O objetivo dos exercícios a seguir é fixar o conceito de classes, objetos, métodos e atributos. Dada a estrutura de uma classe, basta traduzi-la para a linguagem Java e fazer uso de um objeto seu em um programa simples.

Se você está com dificuldade em alguma parte desse capítulo, aproveite e treine tudo o que vimos nos pequenos programas abaixo: