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O que é XAI, a Inteligência Artificial Explicável?

Francine Ribeiro

Francine Ribeiro


Imagine os seguintes cenários: um hospital recebe de um agente de IA um diagnóstico que aponta uma condição rara em um paciente; ou uma gerente de banco que tenta entender por que um algoritmo negou crédito a uma pessoa com bom histórico financeiro.

Em ambos os casos, surge a mesma pergunta: “como o sistema de IA chegou a essa conclusão?” Essa questão resume o chamado problema da “caixa-preta” — a dificuldade de compreender as decisões das Inteligências Artificiais, que podem ser complexas até mesmo para as pessoas que as desenvolveram.

Mais do que um desafio técnico, essa dificuldade representa uma barreira à confiança e à responsabilidade. Afinal, como delegar decisões que impactam vidas a sistemas cujo raciocínio não é compreendido? Como empresas que trabalham com dados sensíveis podem se modernizar se não podem confiar 100% na tecnologia?

Para responder a essas questões, surge a IA Explicável (XAI), uma abordagem que busca tornar a Inteligência Artificial mais transparente, compreensível e auditável para as pessoas. Continue a leitura para saber mais!

O que é IA Explicável (XAI)?

A Inteligência Artificial Explicável, ou XAI (Explainable Artificial Intelligence), é um conjunto de métodos e práticas que busca tornar compreensíveis as decisões tomadas por sistemas de IA. Ou seja, em vez de apenas apresentar um resultado, a XAI permite que as pessoas entendam como e por que o algoritmo chegou a determinada conclusão.

Na prática, a XAI procura abrir a “caixa-preta” da IA. Muitos modelos avançados, como as redes neurais profundas, funcionam de forma vaga: sabemos quais dados entram e quais previsões saem, mas o processo que conecta essas etapas é um mistério.

Dessa forma, a proposta da XAI é transformar essa caixa-preta em uma “caixa de vidro” (glass box), onde a lógica por trás das decisões pode ser observada, compreendida e, se necessário, questionada pelas pessoas.

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Vale dizer que a transparência das respostas das IAs é especialmente importante em áreas sensíveis, como Saúde, Finanças, Segurança Pública e Recursos Humanos, nas quais entender a justificativa por trás de uma decisão algorítmica pode significar evitar erros, vieses e injustiças.

Os 4 Pilares da XAI, a IA Explicável

Para ficar mais claro como funciona a IA Explicável e como tornar os sistemas mais transparentes e confiáveis, o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos EUA (NIST) definiu quatro princípios fundamentais que estruturam o funcionamento da XAI.

Esses pilares orientam tanto o design técnico quanto a forma como os resultados são comunicados às pessoas usuárias, garantindo que a IA não apenas funcione bem, mas também possa ser entendida facilmente. Confira abaixo os quatro princípios.

1. Explicação

O primeiro princípio é que a IA deve ser capaz de explicar suas decisões. Isso significa que cada resultado gerado precisa vir acompanhado de evidências, justificativas ou raciocínios que mostrem por que o sistema chegou àquela conclusão.

Por exemplo, se uma instituição financeira usar IA para analisar pedidos de crédito, ela não deve apenas dizer se alguém foi aprovado ou negado, mas também explicar quais fatores influenciaram essa decisão, como renda, histórico de pagamento ou nível de endividamento.

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2. Significância

A explicação só tem valor se for compreensível para quem a recebe. O pilar da significância reforça que a comunicação deve se adaptar ao público: uma resposta para uma pessoa engenheira de dados será diferente da explicação para profissionais de Recursos Humanos, por exemplo. Ou seja, é preciso fazer sentido para todas as pessoas.

3. Exatidão da explicação

Aqui, o foco está em garantir que a explicação reflita realmente o que aconteceu dentro do modelo.* Isso quer dizer que não adianta a ferramenta de IA simplificar a explicação do seu processo a ponto de distorcer a lógica do sistema.

A Inteligência Artificial deve fornecer uma explicação fiel ao seu processo interno — nem mais complexa, nem mais simples do que o necessário. Esse equilíbrio entre clareza e precisão é o que permite confiar no raciocínio da máquina sem perder o rigor técnico.

4. Limites de conhecimento

O último princípio reforça a importância da honestidade algorítmica. Um sistema de IA deve reconhecer quando não sabe algo ou quando está operando fora de seu escopo de competência.

Isto é, informar a pessoa usuária quando o nível de confiança em uma resposta é baixo ou quando a IA não possui dados suficientes para oferecer uma conclusão confiável. Admitir incerteza é um sinal de maturidade tecnológica e um passo essencial para o uso ético da IA.

Esses quatro pilares mostram que a XAI vai muito além da explicação técnica: ela exige comunicação clara, empatia com as pessoas usuárias e responsabilidade.

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Desafios da IA Explicável (XAI)

Apesar dos avanços da XAI, como a opção de “mostrar raciocínio”, presente hoje nas plataformas de LLMs mais avançadas (como no Gemini), a IA Explicável ainda enfrenta barreiras significativas para se consolidar. A seguir, confira dois dos principais desafios.

Traduzir a lógica das máquinas para a linguagem humana

A XAI precisa tornar compreensível algo que, por natureza, é complexo e técnico. Traduzir a lógica algorítmica, baseada em probabilidades, vetores e inferências estatísticas, em explicações claras, compreensíveis e úteis para as pessoas, é uma tarefa multidisciplinar.

Isso porque não basta que o sistema explique suas decisões de maneira matemática; ele precisa comunicar de forma que a pessoa usuária entenda o motivo de uma recomendação ou previsão. Esse processo exige a união entre ciência da computação, experiência do usuário (UX), psicologia cognitiva e até linguística, tornando a explicabilidade um desafio tanto técnico quanto humano.

Além disso, há o equilíbrio entre clareza e precisão: simplificar demais pode distorcer a verdade técnica, enquanto detalhar em excesso pode afastar as pessoas. A chave está em encontrar o ponto de equilíbrio entre gerar confiança, sem comprometer a integridade do modelo.

O paradoxo da confiança e o viés humano

Um estudo global da IDC, encomendado pelo SAS, revelou um dado intrigante: 57% das organizações planejam aumentar seus investimentos em IA responsável. Mas a confiança que as lideranças depositam nesses sistemas segue um padrão contraditório.

As pessoas executivas relataram ter 200% mais confiança em IAs generativas do que em modelos tradicionais de machine learning — mesmo que estes últimos sejam matematicamente explicáveis e mais transparentes.

Esse comportamento revela um viés humano: tendemos a confiar mais em sistemas que parecem intuitivos e conversacionais, mesmo quando sua lógica interna é difícil de visualizar. E a consequência disso é um alerta importante.

À medida que a IA generativa se torna cada vez mais presente em ambientes corporativos e cotidianos, é preciso cautela para não confundir familiaridade com confiabilidade. A confiança deve ser construída sobre a compreensão do funcionamento do sistema, e não apenas sobre sua fluidez comunicativa.

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Qual a relação da IA Explicável e o uso ético da IA?

Após compreender os desafios da IA Explicável, é possível perceber que a transparência é o ponto de relação entre a XAI e a ética na Inteligência Artificial. Um sistema ético de IA é, antes de tudo, um sistema compreensível, capaz de justificar suas decisões, revelar suas limitações e permitir a verificação humana.

Quando uma organização adota práticas de IA Explicável, ela também fortalece princípios éticos fundamentais, como responsabilidade, justiça e não discriminação. Isso porque a correção humana permite detectar vieses, corrigir falhas e garantir que decisões automatizadas não reforcem desigualdades sociais.

Além disso, a explicabilidade dá às pessoas afetadas — clientes, pacientes e pessoas em geral — o direito de questionar e compreender as decisões que as envolvem, promovendo confiança na empresa.

Vale dizer também que, no contexto corporativo, a integração entre XAI é essencial para o cumprimento de normas como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que prevê o direito à explicação em casos de decisões automatizadas.

Dessa forma, empresas que investem em transparência algorítmica não apenas reduzem riscos regulatórios, mas também constroem uma reputação sólida baseada na confiança e no uso consciente da tecnologia.

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Como as empresas podem adotar IA Explicável (XAI) na sua rotina?

Adotar a IA Explicável (XAI) não é somente uma questão técnica, mas estratégica. Exige governança, cultura de transparência e capacitação constante para que pessoas e algoritmos trabalhem em sintonia.

Abaixo, veja um passo a passo com 7 etapas essenciais para implementar a XAI no dia a dia corporativo.

1. Identifique onde a IA já atua e deve atuar

O primeiro passo é mapear todos os pontos da empresa nos quais a Inteligência Artificial já está presente ou pode ser aplicada — desde análises de dados e marketing até decisões financeiras ou de RH.

Além disso, priorize os casos de uso com maior impacto em pessoas e negócios e que exigem maior nível de explicabilidade, como recomendações de crédito, triagem de currículos ou diagnósticos automatizados.

2. Garanta governança e conformidade com a LGPD

A explicabilidade começa com a governança de dados. É essencial saber quais informações estão sendo usadas, se há dados pessoais envolvidos e se suas equipes estão cumprindo os princípios da LGPD.

Para melhorar esse processo, defina políticas internas claras e, se possível, crie um comitê responsável por supervisionar o uso ético e responsável da IA dentro da empresa.

Leia também: Governança de IA — o que é, ferramentas e práticas recomendadas

3. Documente o funcionamento dos modelos

Implemente práticas de documentação como model cards (fichas do modelo) e datasheets (planilhas de origem e uso de dados). Esses registros devem mostrar como o modelo foi treinado, com quais dados, quais métricas de desempenho, limitações e riscos. Assim, qualquer pessoa pode compreender e auditar o raciocínio por trás das decisões automatizadas.

4. Aplique técnicas de explicabilidade

Para fazer com que a Inteligência Artificial explique suas próprias decisões, é possível usar ferramentas que traduzem a lógica do computador em respostas claras. Duas das mais conhecidas são o LIME e o SHAP.

O LIME foca em explicar uma única decisão por vez. Pense nele como uma ferramenta de diagnóstico rápido. Se a IA nega o crédito para um grupo de clientes, por exemplo, esse método pode apontar os principais motivos, como renda insuficiente ou histórico de pagamento. Ou seja, é ideal para responder perguntas pontuais.

o SHAP é mais completo. Além de fazer o mesmo que o LIME (explicar casos individuais), ele também consegue mostrar a importância geral de cada fator para o comportamento da IA. Por exemplo, com o SHAP, você pode descobrir não apenas por que um(a) cliente foi negado(a), mas também quais são os critérios que a tecnologia valoriza em suas análises.

5. Teste com pessoas e colete feedback

Antes de escalar suas iniciativas da IA Explicável, realize pilotos com a presença ativa de pessoas (human-in-the-loop). Avalie se as explicações são compreendidas, úteis e confiáveis para um grupo de pessoas considerável.

Depois desses testes, o feedback real de pessoas usuárias e equipes é essencial para ajustar as explicações, reduzir vieses e melhorar a comunicação entre pessoas e máquinas.

Leia também: Guia para te ajudar a criar a cultura de feedback na sua empresa

6. Monitore e melhore continuamente

A IA Explicável é um processo vivo. Por isso, implemente métricas de desempenho e confiabilidade, revise os modelos periodicamente e comunique de forma clara o uso da IA para as pessoas colaboradoras, clientes e organizações parceiras.

Ressaltamos que a transparência externa também reforça a confiança, fortalece a reputação e demonstra compromisso com a ética digital.

7. Treine as pessoas colaboradoras

A transparência só ganha força quando as equipes entendem como interpretar e aplicar os resultados da IA. Por isso, invista em aprendizado contínuo para diferentes profissionais: pessoas desenvolvedoras, analistas, gestoras e líderes.

Ensine como ler explicações de modelos, detectar vieses e agir de forma ética. Lembre-se que o conhecimento é o que conecta tecnologia, responsabilidade e confiança.

E para transformar esse conhecimento em um diferencial competitivo da sua empresa e garantir que seus times utilizem a IA de forma estratégica e responsável, é preciso investir em uma formação de qualidade.

Para isso, conte com o ecossistema Alura + FIAP Para Empresas, uma parceria que oferece trilhas de aprendizado completas e personalizadas para desenvolver as competências que sua organização precisa. Fale com a nossa equipe de especialistas e saiba mais!

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Francine Ribeiro
Francine Ribeiro

Analista de Conteúdo da Alura +FIAP Para Empresas. Jornalista de formação, com MBA em Comunicação Corporativa pela Universidade Tuiutí do Paraná (UTP) e MBA em Business Strategy e Transformation pela FIAP. Atua com produção de conteúdo para empresas desde 2009 e com marketing digital desde 2016.